Glauber Rocha: mais fortes são os poderes do povo!

Do sertão baiano para o mundo, Glauber Rocha se afirmou meteoricamente como o nosso maior cineasta de todos os tempos e a mais poderosa personalidade surgida na cultura brasileira da segunda metade do século XX. Autor de clássicos eternos do cinema mundial, como Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em transe e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, foi um dos criadores de uma visão total da nacionalidade, na restrita companhia de um Euclides da Cunha, de um Villa-Lobos, de um Guimarães Rosa. Para além do artista, contagiou todo um período da vida brasileira com a sua indignação, a sua inquietude, a sua busca irrefreável da utopia.

Neste livro, o poeta Alexei Bueno, grande conhecedor da história e da estética do cinema, traça um painel, uma síntese cinebiográfica ou biocinematográfica da trajetória do líder do Cinema Novo. Analisando cada filme e os momentos centrais da sua vida, nele o leitor encontrará um roteiro fascinante do sonho glauberiano, que é o sonho de todos os que aspiram por uma grande arte e uma grande nação entre nós, como as entreviu Glauber Rocha, o maior cineasta do Terceiro Mundo.

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Os anos 60, como os anos 20, foram desses períodos da vida humana nos quais, adormecidos os traumas do passado, o futuro parecia palpavelmente existir, não se reduzindo a um enevoado território do incerto. O pensamento demonstrava poder agir sobre a história, a arte sobre as consciências, a vontade sobre a própria vida, daí provindo a grande riqueza de homens e realizações em épocas como essas.

Entre nós, ninguém viveu e encarnou a década de 1960 como Glauber Rocha, o maior cineasta brasileiro. Se já havíamos tido um grande pioneiro como Humberto Mauro e o ápice solitário de Mário Peixoto, se em vários momentos o nosso cinema tentara apreender o essencial do que somos, nunca, nem antes, nem depois, a essência da nacionalidade se cristalizara nas telas como nos filmes de Glauber, epicentro do grande movimento criador do Cinema Novo. Estética e politicamente, sua obra sintetizou uma invejável e saudosa capacidade de crer, etimologia exata do seu próprio nome.

Se na precisa definição de Fernando Pessoa a função da arte é engrandecer, poucos, no Brasil, o conseguiram tanto como o autor de Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em transe e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro.

A trajetória trágica do povo brasileiro, seu sofrimento e esperança seculares transformaram-se em seus filmes na grande redenção da arte, como a alcançaram entre nós um Aleijadinho, um Castro Alves, um Euclides da Cunha, um Villa-Lobos, um Guimarães Rosa. Realizada a catarse, a elevação e a esperança permanecem como patrimônio inesquecível de cada espectador, assim como um precioso amálgama do que há de mais legítimo na cultura brasileira.

Pela meteórica brevidade de sua passagem, pela sólida permanência de sua presença, Glauber Rocha recebeu das mãos do destino essa rara perenidade de juventude que sempre foi considerada das mais invejáveis possibilidades humanas. Muito da mediocridade e do arrivismo do caldo de incultura com que teve de conviver entre nós desaparece a cada dia. Sua obra data perenemente da manhã de hoje, a afirmar que mais fortes são os poderes do povo! (Alexei Bueno)

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