Mamar é mais que um instinto ou hábito: é uma das maiores delícias da vida de um bebê. Porém, a cada minuto, surge uma nova aventura, um novo desafio, um velho hábito a ser abandonado na vida de todo filhote de ser humano. Porque, a cada dia, surge uma nova revolução em seu corpo, que cresce, se transforma e precisa se adaptar. “Nasceu um monte de dentes na boca do Joca! Joca está parecendo um tubarão. E tubarão não mama não! Dente serve para quê? Para morder. Para roer. Para mastigar…” E agora, será que esse bebê-tubarão vai querer parar de mamar?
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A Garagem, o Bebê-Tubarão e o crescimento
Ah, o crescimento das crianças… tem o físico, o emocional, o intelectual… mas somente os termos que rondam a constatação “meu filho está crescendo” já provoca arrepios nos pais. Não estou julgando, estou confessando.
Existe uma beleza dos livros infantis que é a sutileza. Adoro ir degustando um livro dedicado a ir para as mãos, olhos e ouvidos de uma criança e ver que nem tudo está ali, que tem algo escondido, ou algo para ser sentido num cantinho da alma. Não estou dizendo que os livros devem ser assim para serem bons, mas que estes pequenos presentes também são uma forma de homenagear a infância.
Aconteceu com A Garagem (Ed. Dedo de Prosa), escrito por Bea Pecci e ilustrado por Silvana Rando. E também com Bebê-Tubarão (ed. Manati), da dupla Bia Hetzel e Mariana Massarani. O primeiro conta a história de uma menina que tinha duas irmãs, uma garagem para brincar e uma mãe incansável em promover uma infância cheia de tintas, colas, papéis. Um dia, esta menina foi à escola e não entendeu nem um pouco por que tinha de estar, agora, em companhia de crianças desconhecidas.
Ela não queria deixar as lembranças da garagem. Por dias se recusou a entrar na sala, até que algo novo a surpreendeu e finalmente a escola passou a fazer algum sentido.
A Garagem é uma história curta mas cheia de profundidades. Além da ideia e textos, o projeto gráfico e a disposição das sempre incríveis ilustras da Silvana dão um peso especial para a perspectiva da criança. É livro para ser lido com as pequenas mãozinhas, inteiro, com mediador preparado para vários “bis”.
Bebê-Tubarão também me fez ver minha filha crescer em um virar de páginas. Embora eu já tenha passado da fase exata do contexto do livro, ele simboliza também para os pais esta vida passando diante de nossos olhos. Uma mistura de saudade e aceitação.
A brincadeira desde o título é com os dentes que, sim, são um símbolo forte no crescimento das crianças. Podemos dizer que o tema principal é o desmame, mas, no fundo, ele é apenas um pretexto, pois todas as crianças entre quase 2 e 4 anos estão interessadas nesta mágica da vida em que tudo muda, este jogo de perdas e conquistas. No livro, tudo começa com o menino Joca ainda mamando no peito da mamãe (e aparece peito, sim, viu, pessoal! Pois é linda a amamentação!). Depois, vem a mamadeira, um lugar que abriga mais que o leite, pois a vida é mais que leite… Em seguida, são os dentões do Joca que aparecem. “Joca está parecendo um tubarão”, nos dizem as autoras. E tubarão… ops… não mama. Mas, afinal, para que servem os dentes? E aí seguem outras cenas e situações que mostram as substituições ao longo da infância.
Como é que a gente aprende a perder e a ganhar ao mesmo tempo? Como lidamos com estas constantes “já estou grande” e “ainda sou pequeno”? E isso tudo está disposto em frases curtas, um projeto gráfico acolhedor (com formato arredondado nas pontas, etc) e uma série de ilustrações que revelam o que o texto não diz, cheias de detalhes e surpresas, representações engraçadas e tudo o mais que o traço de Mariana Massarani pode nos oferecer. Sempre digo que livros ilustrados pela Massarani deveriam estar na lista dos itens básicos de sobrevivência dos pequenos leitores: toda a infância tem que passar pelas crianças, adultos, bichos e cenários desenhados por ela e Bebê-Tubarão pode ser um jeito ótimo de começar.
(Esconderijos do tempo, por Cristiane Rogério. Link: http://esconderijos.com.br/a-garagem-o-bebe-tubarao-e-o-crescimento/)