O colar de pérolas
Quando eu era pequena, minha mãe me levava à praia quase todos os dias. A gente catava conchas, fazia castelos na areia, cavava túneis para chegar ao outro lado do mundo… Era uma farra. Até quando a gente não fazia nada (e isso era o que a gente mais fazia).
Com o silêncio de minha mãe aprendi a olhar para o horizonte e ouvir o silêncio do oceano. E com as histórias que ela me contava aprendi a navegar pelo silêncio.
Um dia, ela contou como nascem as pérolas. Disse que quando um grão de areia arranha a pele de madrepérola de uma concha, aos poucos vai-se formando uma casquinha de pele em volta desse machucado. A casquinha vai aumentando até engolir o grão, depois vai ficando redonda para que a areia perca a aspereza e não machuque mais ninguém.
Pois acho que foi assim, também, que nasceu a história desse livro. Nasceu de um arranhão dolorido que cicatrizou em pérola para proteger outras vidas.
Para a menina Alice, as pérolas do colar de sua mãe são salgadas como as lágrimas e a água do mar. Seu mundo é delicado, forrado de cortinas de madrepérola. Nele, devemos andar com a leveza de um gato para não provocar arranhões.
Enquanto o leitor mergulha neste livro, a maré de água salgada começa a subir e vai invadindo o seu mundo. Primeiro, ele sente um grão de areia a lhe incomodar e marejar os olhos. Depois, a dor constante desse grãozinho a riscar a pele da alma.
O que machuca Alice é o alcoolismo de sua mãe. O que nos machuca a todos é aprender a conviver com a dependência e as fraquezas humanas. A menina às vezes se fecha em concha. A sociedade às vezes também prefere se fechar à dor.
Mas a autora sabe contar histórias como ninguém, e sabe também como nascem as pérolas. Embalados por suas palavras e por seu silêncio, sentimos a maré baixar e afastar a água de sal e dor. (Bia Hetzel)